quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Fragmentos dos sentidos.

Fechou os olhos. Havia preparado uma dose de uísque para a hora derradeira. A mente começava a aceitar a morte do corpo. Olhou à pele ressequida. Os poros não eram os mesmos de 20 anos atrás. Células falecendo a cada instante. Sabia.

Abriu os olhos. Leu no documento de identidade, Victoria Aguri. Bebeu o uísque num trago só. Refletiu sobre o sabor do destilado barato. Viveu assim. Aproveitou sempre o melhor do pior. A morte é algo assustadora se vista de perto. Sabia.

Coçou a cabeça. Sorriu para si no espelho trincado. Recordou-se dos melhores beijos. Morreria sozinha. Mas bem acompanhada de lembranças nada fortuitas. Esfregou os lábios. Não abandonou a vida, a vida a forçava a deixar o palco. As tristezas são implacáveis. Sabia.

Espalmou a testa. O fim da jornada era vencer a simplicidade das escolhas. Morreria como heroína. Não ter ingerido veneno foi a grande batalha superada. Resistiu. A firmeza era importante para ludibriara a doença. Forte e sozinha. As pernas foram em outrora sedutoras. Sabia.

Aguçou os ouvidos. Não há vozes. O abandono completo. A tuberculose na vida de Victoria Aguri. Ouvia como o silêncio era ruidoso, expõe a verdade sem rodeios. Abraçou a morte. Sempre esperou o melhor do pior. Não havia morrido ainda. Sabia.

Obstruiu a audição. Resistir era contribuir para a morte da agonia. A morte tem uma voz doce. Ou seria tenebrosa? A ausência do corpo era o que a incomodava. Os pulmões em funcionamento debilitado. Sorrir era o remédio. Um escárnio. Sabia.

Os odores irresistíveis. O prazer dos corpos sobre a ex-escultural Victoia. As células mortas eram essências da fadiga do corpo. Amantes de espécies duvidosas. Patifes, sacripantas, escroques. Sempre teve o melhor do pior. Uma casa caindo aos pedaços. Sabia.

As narinas sangraram. Uma velha carcomida ouvindo o estertor da morte. A fragância de Gabriela, sua filha. Partiu. A mãe alcoólatra, fracassada. Victoria, essa era ela. Abandono e a morte solitária. O peixe fedia na geladeira. O quarto a podridão pura. Sabia.

Mordeu a língua. O sangue tem um gosto amargo. Fim próximo da finalidade. A meta era a morte. A respiração não a obedecia. O sabor do triunfo. Era chegada a hora. Se tivesse um punhal... Sabia.

O paladar exigia. Voracidade. Abraçou a morte com determinação. Viu a luz. Esperou o louvor. Afinal, foi guerreira. Quem a censuraria? Ótima amante, grande amiga, mãe preciosa. Sempre agradou o melhor do pior. Não orou. Não precisava de preces. Sabia.

Wuldson Marcelo, cuiabano nascido em 1979, graduou-se em Filosofia pela UFMT. Publicou alguns artigos e contos em jornais de Cuiabá, assim como em jornais e sites desta nação verde-amarela.

vai uma dança aí ? ou, o eterno retorno

paisagem devastada,
só cinzas.

restos de mim, de você,
rastros irremediáveis.

sem remédio,
rastros e restos misturados.

autêntico samba
de piolho doido.

dança na pista careca
do planeta cabeça.

sonhos de doidão,
acreditar na viagem astral.

ah, infernal,
fogo, deserto, velocidade.

marcha ré
no pé do centroavante.

gol contra.
a torcida, só cinzas.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

se assim for, pode ser

a manhã invade tudo
desnuda interiores
agride olhos
como faca
cega

a manhã carregada
de rastros
insinua novos matizes
astros de ocasião
frutificam

a vida se reinventa
num átimo
entre uma passagem
e outra
abre a picada

rompe porteiras
vislumbra imensidões
o infinito é vasto
sólido
abrangente
e insinuante

a lucidez rompe
comportas
transpõe limites
beira o impoderável
abre boca
abissal

a dança dá o tom
passos passagens
o vasto campo
aberto
paisagens
em cores
difusas

fonte de luz
primordial
renasce
o dia
recompõe
perspectivas

assim é
se assim for

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

palavrios

um dia, cachoeira.
noutro, represa.
a palavra é vã.
quando mel,
se lambuza.
noutras,
recusa.

quando pólen,
travessia.
nas asas,
ventania.
voa
volta
revoada.

fumo e vento.
desfeita,
se refaz,
entre silêncios
um vão e
outro, entre
sim e
não.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

manhã sob a grande árvore

ó grande mãe
grande abrigo

ande comigo

sob ossol
ou sob

(a)árvore mãe
que dá (de)
(a)graça

(d)o elemento

alimento
o ar estrelas até

para divagar

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

no link

tanto por fazer. tanto somos a soma da incompletude. riscos que se desfazem. círculos que nunca se completam. quadrados. triângulos isósceles equiláteros.

fagulha. no paieiro.

fogo de palha dizem que não avança.
mas, e fogo no palheiro? joana d'arc que o diga.

é fogo na garganta. no rabo da anta. e veja o que acontece. a aventura estará garantida. pelo menos durante os próximos passos.
pantaneiro dizque: o que não falta no mundo é, pau seco e gente besta!

completaria: ...e gente metida a besta.
quanta besteira. papo típico de blogueiro que não tem o que fazer.
é assim mesmo.

a blogsfera tá cheia de besteiras. cheia de fakes. cheia de fezes.
é isso que acho meu caro.
claro. no meio da merda, pérolas.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

só se isso for

ow, chega mais! o mar não é aqui.
mas não se contenha nisso.
o mar é pra navegar. sei disso.
calma. que a maré vaivem.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

desregrado

adoro obviedades. vezenquando uma me socorre. me distraio e pronto, tasco uma: cada um é un
ico.
claro, dirão os mais apressados.
devagar com o andor de barro.
borro burro embirro e, mula, não mais saio do lugar.
quando emito uma afirmativa dessa, persegue-me a cobrança, interna, visceral, de me explicar. seria uma autocobrança, então?
quando é hifen, quando não é? entre ditongos e tritongos infernais, perco-me na travessia, de um lugar ao outro.
mudam as regras, tateamos. lusco fusco. claro escuro.
se somos unicos, abaixo a ditadura dos regrados. uma lei para cada unico.
meu nome é unico.
abaixo assinado.
assassinado pela torpeza dos hegemônicos.

reitores reizinhos reizeiros rezadeiras.
carpideiras.
sinto o cheiro de flores no ar.
de velorios.
com acento, ou sem acento?

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

caosverbals

raiva. ira.
pira.
queima a mente
voa sob fogo cerrado.

as mãos amassando os ovos.
saco.
asco
vazando entre dedos.

sistemas presos.
em si mesmo.
tematizo a liberdade.
tenazes.

o reino dos céus.
prometeu.
tem que cumprir.
o rabo entre as pernas.

entre. saia.
mas deixe a porta aberta.