domingo, 29 de junho de 2008

cronossintoma

dia a dia
consumimos
a chama

apagamos
origens remotas

aquietamos

vítimas do carbono
e do silêncio

Cuiabá (MT) · 11/8/2006 20:24

navegante

folhas passadas
folhas das relvas de whitman
cadernos de valéry
velhos diários de guerra
carta do anônimo
pero hay caminhos
aviso aos navegantes
preparem os passaportes
pessoas: a única conclusão
é morrer
só resta portanto
viver
a viagem segue
on the road
kerouac
pé na estrada
pé na tabua
a estrada é real
o sonho nunca vai acabar
dicke sorri diante dos
infinitos horizontes
cartografias para bêbados olhares
embebedai-vos
embebedai-vos
de vinho, virtude e poesia
buquê de flores
baudelaireanas
cachos dionisíacos
uvas e bacos
trincheiras
vigilantes do prazer
intrépidos viajantes
nuvens negrores
chuvas fertilizando
terrenos que se abrem
-abram as comportas!
a percepção the doors
deixa entrar
somos filhos dessa viagem
passageiros dessa nave
rumo à vertigem

Cuiabá (MT) · 4/8/2006 10:51

vertigem na manhã

eis um
corpo
que cai

experimentai

com sua
dentição
de verme

mastigue
mastigue

ovos
de creme

Cuiabá (MT) · 3/8/2006 10:32

diário (l)ôco

ôco que nem cabaça
chacoalhando no ritmo interno
dessa máquina louca

motor que move
o desprezo
pela beleza e harmonia

investidores
que assaltam bolsas
bolsas que assaltam nossos bolsos

consomem carnes e músculos triturados
nervos em frangalhos

impõem a maldita condição
o descaso
a impotência
da vontade

espetáculo grotesco
formas sombrias
teatro dos obscuros

contra a luz
recortes enigmáticos

-acorda fantoche!

a corda
pendendo
no ôco das horas

balança
balança

Cuiabá (MT) · 2/8/2006 16:41

jardins infernais

a noite galopa sobre meus ombros. atravesso velhos jardins sob galhos esqueléticos. eles rasgam minha pele alva. a noite é áspera e brutal.

sou sombra, vulto fantasmagórico além alegoria. pressinto a morte que ronda as casas com seus véus soturnos. encobre consciências, isola-as, afasta de vez o meu canto do seu canto. nossas vozes silenciam.

nossos amigos estão morrendo e as esquinas da cidade estão ficando cada vez mais vazias. o cheiro de álcool exala da sua carne, você me abraça com seus olhos de vampiro. seus dentes mordem minha carne com volúpia. a lua sorri matreira. se esconde nos umbrais de um prédio velho e esquecido. você me arrasta como se levasse um cadáver ainda quente. sinto a trituração sob suas garras de aço. quem é você?

a voz não sai mais. deixo-me levar.

a noite é longa e meus olhos se fecham nesse momento para mais um breve pesadelo.

Cuiabá (MT) · 29/7/2006 11:48

hell city

a cidade arde
corações em chamas

alta combustão nos semáforos
roncam os motores

sinal vermelho
para os pedestres

as ruas se consomem
gases fugas solidão

Cuiabá (MT) · 26/7/2006 18:15

compasso de espera

aqui
sentado num sofá qualquer
de uma repartição pública
o vento geme
do ventilador barulhento

tudo gosmento
asco
o asno sentado sente asco
o asno expulsa o almoço ainda quente
tomates cozidos
roídos por enzimas
ácidos revolvendo alimentos
mal mastigados

a pressa inútil
estados febris
desequilíbrios

enfastiado -

o sol se põe devagar
todo dia
na mesma hora
sem pressa

talvez devesse
me espelhar nisso

Cuiabá (MT) · 25/7/2006 16:39

o verbo silêncio

poema de anna marimon. poeta de tranças. loura louca celta. mt mix rs. entendeu? não importa. leia o poema.

O silêncio criou raízes dentro das palavras. A tarde emudeceu,
coloriu de pálido o contorno das árvores. O respirar das folhas era azul. O silêncio torpor
o verbo vinho
o silêncio palavra

A tarde criou raízes dentro do silêncio

o silêncio palavra
o pálido verbo
o vinho torpor

O verbo emudeceu dentro das palavras

a palavra tarde
o verbo silêncio
o pálido vinho

O silêncio torpor, a palavra verbo,
o pálido azul do silêncio morto.

(anna marimon - cuiabá, 2006)

Cuiabá (MT) · 21/7/2006 17:52

solidown

que importa chamar teu nome
se finda a noite
e os escuros estão partidos?

reinvento a manhã
(tecendo fios invisíveis)

reinvento

a chaleira esquecida
fumegante
é um banho
de solidão

sobre o velho fogão

Cuiabá (MT) · 19/7/2006 19:18

assim sendo

aqui é o meu lugar
pois aqui é o lugar que tem tudo que preciso
para mim agora só existe esse lugar

uma varanda ampla, a tv ligada, a prateleira repleta de livros, a tarde morna. nenhum vento para importunar a paz repousante das folhas do pé de acerola
nenhum mistério assombroso

os ruídos são fisicamente naturais
objetos estalam no eterno movimento das partículas
rompem o tempo em suas aparentes imobilidades
tudo está em trabalho
tudo que liga se segura para permanecer

a ferrugem corrói
meus ossos se abandonam na rede
respiro mais profundamente
afundo
na irrelevância dessa hora

me deixe em paz
já disse que não quero nada

o rio da minha vida corre nos subterrâneos dessa cidade
desse quintal.

Cuiabá (MT) · 16/7/2006 21:28

quarto blú

uma linha tênue começa a delinear (per)fios de uma história da vida. uma vida qualquer. dessas banais, comum demais. um cara solitário sentado numa mesa de um quintal de uma casa típica de classe média, tomando cachaça e olhando o tempo passar. como se tivesse de fora. só dentro de si mesmo, girando em torno do próprio umbigo, vazio como um saco de plástico vagabundo de supermercado.

Z surgiu a minha frente de repente, como um som apenas. surgiu como um zunido persistente, zunindo confissões de séculos, ecos perdidos buscando sentidos em sua travessia de eras ? ligando los olvidados.

a garrafa de cachaça repousa sobre a mesa atraindo môscas que vivem de dar voltas e voltas ao seu redor. a garrafa que nada esboça, quieta em seu silêncio de fogo. como pedra esquecida. só o tempo roendo o amargo passageiro.

estou fodido! fico pensando. estou ficando mole, cada vez mais afundando o pau no travesseiro. a cachaça já não desce doce. desce rasgando meus aparelhos que digerem, ainda bem, continuam digerindo bem.

Z tá me pentelhando com sua bosta de história de vida. vivo caçoando de todo mundo e agora estou aqui de baixo astral, a cabeça baixa com os olhos grudados no chão áspero e sujo. a cachaça começa a me deixar zoado. esquenta o peito e me faz notar o quanto estou enjoado de tudo, de todos, com náuseas constantes. tô de saco cheio de trabalhar e continuar duro, sem grana, vivendo de truques, a gente vive de golpes, pequenos golpes, ela diz rindo na maior cara de pau. dá vontade de vomitar só de pensar em fazer filmes, aquelas produções chatas, um monte de gente chata, metida a besta, ah maldito poder que sentem os que lidam com imagens, que mexem com egos inflados e imbecilizados pela própria (auto-)imagem. escrever me alivia um pouco, como uma boa cagada, uma mijada num poste de rua qualquer.

Z me lembra um esgrimista. touché!
Z me lembra um labirinto. touché!
Z de zilda zorro zorra zona. Z da inevitável zebra. bah, a vida que dá zebra e de repente você percebe que zebrou tudo. a maldita condição de fracassar. fracassar. fracassar. estar sempre recomeçando, estar sempre esculhambando tudo, com a boca cheia de môscas rodando pra lá e pra cá num vaivém zonzeante, môscas zonzas atraídas pelo bafo de cachaça. sem um puto nos bolsos e com as apostas prontas para o próximo lance.

há poucos minutos atrás uma ?garota de programa? me abordou no posto de gasolina perto de casa, fui comprar cigarros e enquanto aguardava o atendente, cabisbaixo e ausente, uma voz me tirou daquele estado letárgico. - oi. levanto os olhos e vejo seu sorriso irradiante, de larga boca, de belos dentes, taí um belo espécime, pensei, um arrepio passou pelas minhas bolas escrotais e invadiu todo meu corpo. saí sorrindo meio sem jeito, um babacão, elas deviam estar pensando, eram várias garotas lindas em um carro branco. fiquei todo prosa por que ela veio direto pra cima de mim, ignorando todos os outros rapazes que estavam ali. elas saíram zunindo no carro branco, cintilante, desfilando pela avenida fernando corrêia.

meu saco tá murcho agora, continuo aqui sentado nessa cadeira, desfiando linhas imaginárias, definhando, na cadência do tempo e seus vazios. a tv ligada joga na cara um monte de propaganda estúpida que vai deixando todo mundo estúpido, imbecilizado diante da telinha, todos presos por fios invisíveis, atados ao desejo de tudo consumir, de se auto-consumir em impotências provocadas, como idiotas completos, cegados pelo brilho intenso e sedutor da maldita caixinha azulada. estou out.

nenhum movimento na cozinha da casa, nenhuma meleca sendo preparada, nenhum cheiro. não sou herói de nada. sou página virada de uma história que nunca completou capítulos, que nunca contemplou minha ninharia de vida. porra Z me deixa em paz com seus delírios de analista, pára de ficar me colocando nessa berlinda, nesse centro de nada, fustigando minha falsa paz. fica aí com esse par de olhos me olhando, tentando decifrar meus enigmas. em cada olho vejo uma sentença, eles parecem independentes um do outro, não se completam, ao contrário, se distanciam, como um imperativo dessa vida que vai criando vazios entre as pessoas.

a barriga dela está cheia de gases. ela pede socorro. tento lhe ensinar minha técnica para eliminar gases. peidar discretamente, sem muito alarde. fico assim quando estou só em meu quarto com a barriga inchada e dolorida. contorcionista de ocasião, posição meio iógue, deitado de costas e pernas pra cima passando sobre o corpo, alongando e relaxando, respirando fundo e soltando lentamente. funciona bem. sou um monte de merda nessa hora. a solidão atroz me corroendo nesse quarto de paredes azuis.

Cuiabá (MT) · 14/7/2006 18:10

algo bole

um corte na paisagem
(olhar pra dentro)
sem graça
sem raça

sem maçã
loucos desvarios longos

mundo sem cor
mudo
modo de não ser

sem chapéu

sem papel em branco
que comova

nem azia
afazia talvez
afásico
sem faísca

algo lerdo algo mole algo
bole

mesmo em silêncio
as vísceras transpiram
espreitam -alto lá!
algo se move
tratados hipocrisias seres doentes

roemos cordas
hordas de roedores

vivemos nos arredores do que poderíamos ter sido

de esquina em esquina um esquimó na latrina
contrariando a contra-mão

sermão sem montanhas

horizonte vasto e desértico
vago vago.

Cuiabá (MT) · 12/7/2006 16:10

desertor

agora
só consigo atingir
seu coração de puta

meio a sedas lilazes
malemolentas

não!

recuso seu gesto
beijo de batom exagerado

refuto suas ligas
de meias seda

(mergulho na tormenta
desse meu deserto
sem cor)

Cuiabá (MT) · 12/7/2006 12:50

o silêncio dessa hora

o verbo está entalado
travo luta em vão

detenho-me
avanço
no entanto, não páro!

a luta é silenciosa
a noite calliente
a boca do gato enfastiada
a palavra riscada no papel ao lado

Cuiabá (MT) · 7/7/2006 17:43

(n)avis rara

poesia
avis ra
ra
bisca
ra
teia

aquilo que
salteia

-observe.

da bateia
como dia
mante da
língua-viagem.

Cuiabá (MT) · 6/7/2006 19:05

coruja

-Vá dormir Thaís, que você não é coruja.
Anna disse sorrindo.
-Meu tio João tinha uma coruja empalhada sobre a mesa em sua biblioteca, que me parecia tão infinita quanto os círculos borgeanos. Por mais que eu escrafunchasse não conseguia ver todos os títulos. Bibliotecas sempre me fascinaram, pareciam lugares sagrados e com um cheiro peculiar que me fazia viajar por mundos tão diversos quanto os jogos que criava para excitar a imaginação e visitar lugares que o corpo não alcançava nunca. O tio João instigava minha curiosidade, fazia invejar a sua infinidade de conhecimentos que me fazia encolher e ficar cada vez mais pequenino diante da grandiosidade que o mundo dos livros revelava. A coruja era o máximo para meus olhos de menino esquisito.
- Agora, você tem uma coruja viva. (disse Anna)
Foi assim...
O dia amanheceu como todo dia. Tinha entrevista marcada com uma TV para falar sobre meu papel de pai de 5 filhas, mantendo uma atitude considerada louca, como integrante de uma banda musical, diretor de TV, poeta, violeiro, escritor, etc etc. Boêmio, maluco, etc etc. Mas coruja!?
A coruja da biblioteca tinha um ar distante como todo corpo morto. Lembro da cara da tia Dora morta, tão longe que nada podia alcançar aquelas lonjuras. Mas uma ave tão rapina e comedora de olhos como a coruja imobilizada pelo empalhamento me provocava uma sensação de coragem infinita, podia tocar um corpo que um dia foi quente e feroz na defesa de seus filhos. Via Marco Polo seguia os caminhos do desorientado. Nunca consegui sistematizar meus conhecimentos. Persigo os títulos e nunca consigo alcançar a totalidade de nenhum autor e vivo de fragmentos, como o olho giratório e esquisito da coruja viva que encontrei voando pelos limites das paredes da cozinha de minha casa à meia-noite desse dia normal. Levei um baita susto, mas encostei a porta e fiquei ali parado buscando uma forma de me comunicar com ela. Balbuciei frases, mansamente, carinhosamente, dementemente eu ali conversando com uma coruja viva. Diferente da outra, empalhada, essa metia medo e me fazia sentir ridículo. Além do mais, a maldita parecia entender tudo e me olhava com aquela cara de coruja de olhos girando estranhamente de lado de frente de costas ela olhava por todos os lados e ângulos e eu balbuciando ridiculamente que cabia ela aqui em casa também sempre cabia mais um sempre cabia mais uma boca , onde come seis come dez e etc.
Anna perguntou:
-Será que coruja come ração de cachorro?!
Virei-me lentamente esticando o pescoço e falei pra Thaís minha filha mais velha, balbuciando.
-Tem uma coruja na cozinha.
- Ah! Pai, não viaja...
-É sério, é de verdade, não é empalhada.
- Anna, venha ver.
Anna viu, Anna pirou, Thaís viu, Thaís pirou.
A noite passava e com ela os mistérios da vida que emitem sinais estranhos, provocando nossa compreensão, poetizando a existência e estranhamente nos colocando cara a cara com uma coruja.
Anna e Thaís foram dormir. Fiquei sentado em frente à TV como um boneco sem vida. Ao constatarem a veracidade do fato ficaram em estado de choque também, a coruja pousada sobre a pia da cozinha reinava soberana, ninguém se atrevia a passar pela porta, tampouco deixá-la aberta. Lembrava das lendas criadas em torno das corujas, furam os olhos, são sinais malditos e tal e coisa. Meia-noite e resolvo abrir a porta da cozinha. Ela se assusta, voa como ave louca pelo pequeno espaço, fecho a porta com cuidado e volto à sala.
Acordo de manhã, assustado, no sofá, a tv ligada e fora do ar.

Cuiabá (MT) · 3/7/2006 18:36

a dança dos fantasmas

a chuva cai
serena
em silêncio fresco (cortado
apenas
pelos pingos)

caem sobre a tampa velha
de isopor
esquecida (repousa)

no quintal

vento leve
intermitente
balança (sombras das folhas da árvore)

profunda paz
amortece meu espírito
(indômito)

as roupas dançam no varal
fantasmas com suas roupas prediletas
(dançam)

mexo remexo

velhos baús

sua fotografia parece que sorri para mim
sob suave frio
(o céu)

vermelho carmim

(nota do editor: poesia é coisa de frescos
poesia é coisa de fracos
poesia é coisa de frascos

o menor perfume)

Cuiabá (MT) · 30/6/2006 11:08

nada a declarar

nenhum verso
nenhuma canção

nada de vento
nessa tarde
nenhuma folha se mexe

nada a ver com você
nenhuma relação com isso
nenhuma lembrança

nenhum riso
nada de arriscar vôos
nenhum sopro

nem tédio
nem remédio

Cuiabá (MT) · 28/6/2006 20:07

tanto faz

é sábado? domingo?
lá fora é outro dia

diferentes são os tempos
nos lugares

o calendário é um
a vida não

cá dentro faz outono
tempo de morrer para renascer

das cinzas do cerrado
ou do cigarro

a vida queima
espouca

num choro de bebê
ou numa garrafa de champagne.

Cuiabá (MT) · 26/6/2006 16:59

noções banais do cotidiano para uma filosofia vagabunda

Ouço o ruído infernal do tempo roendo minhas carnes e músculos. Sigo a esmo, sabendo não existir medidas para o porvir. Esgoto as energias acumuladas no sono pretérito.
Os motores explodem sobre o silêncio, o latido histérico do cachorro se soma ao som das máquinas, o cachorro late da casa do vizinho, cercado de muros esverdeados pelo musgo, no inevitável movimento de partículas diversas arrastando tudo para a frente, para a morte. As formas da morte se revelam entre as várias faces da vida e tudo segue para inexorável fim.
Ouço seus passos caminhando sobre desvios, suas mãos tateando escuros impertinentes, seus olhos piscando agonias como grilos saltitantes. O lamento de eras ecoa em meus ouvidos atentos. Ouço seu tremor, seu coração rasgando o tempo, sua insistente resistência.
Nada posso fazer sob o peso que se acumula sobre os olhos tristes do retrato que repousa na parede. O amarelo vai se derramando na moldura do tempo. Os sonhos perdendo clareza, turvando a beleza, embaçando corpos e vontades. Nada mais que rastros sobre a fina estrada que se estreita, evocando lembranças, abraço eterno da noite que se prolonga.
A chuva cessa seu ritmo contínuo de horas ? num soluço contido, silenciando o coaxar de sapos e gias. Atiro-me na cama, na ressaca reinante sem temor. Nenhuma expectativa, não espero nada, testemunho esses pequenos eventos que me bastam, à revelia do mundo inteiro que gira do avesso. Ela pensa que estou dormindo, ouço seus passos atravessando o quarto com leveza, tal qual um fantasma que se atira no mistério da noite sem fim.

Cuiabá (MT) · 21/6/2006 19:36

o banquete

convidamos os fantasmas e eles vieram
todos
para nosso espanto.

florbela espanca e silvia plath
nos domínios de nossa cama.

eus e annas.

baús de poetas mortos
revirando asas
escolhendo o modelo mais adequado
para o seu vôo.

elas riem, choram, gozam
em minhas propriedades
supremos gozos
divinizo
bebo de sua alma
convivo com seus perfumes
e não peço perdão pela sua morte. segundo me disseram
os poetas já nascem mortos.

não sinto saudade
não a dor
não sinto
amor

só o gosto da flor murcha
que pousou no vaso
sem lágrimas
da sala cheia de fantasmas.

Cuiabá (MT) · 20/6/2006 15:12

lado alado

eu não
tenho
asas par
a voar

no poe
ma não
precisa
asas par
a voar

na poe
sia as
asas
são

Cuiabá (MT) · 14/6/2006 20:08

queda

tecer o quê? (na) manhã que invade tudo de luz, pelas frestas, pelo canto do olho que foge para a não-contemplação. reflexos explodem como faíscas rebatidas pelas superfícies cromadas lisas espelhares.

tecer o quê? (se) a morte promete o conforto do supremo esquecimento, fazendo libertar das urdiduras da vida os destinos mais vis.

fazer o quê? (se) a ponta da linha salta da ponta da língua e serpenteia pelos cantos desconectados da mente dormente.

fazer o quê? (se) a macia mão (às vezes áspera) do acaso nos lançou a esse estado sólido caindo
caindo
na vertigem do tempo.
?
?
?
?
?


Cuiabá (MT) · 12/6/2006 18:02

por quem os sinos não dobram mais

antonio sodré é o nome do autor desse poema que se segue. um sacerdote dessa arte tão difícil, missionário das mais de mil letras. ele afirma que já morreu mil vezes: el poeta de la transmutación.



na manhã que se segue
os sinos não dobram mais
por Elizabeth!

perdeu os ouvidos
e não ouve mais
o coaxar das rãs
o mugido do boi
o piar do grilo...

(nem o sino ela ouve mais...)

por isso é que eles não dobram
nem por ela, nem por mim,
nem pelo quinto serafim!

não há mais sinos,
não há mais meninos.
cantar de rodas não se ouve mais...
tropel de cavalos não se ouve mais.
é no ar que se travam batalhas.


antonio sodré (extraído do livro "Empório Literário, versos diversos")
poeta matogrossense.

Cuiabá (MT) · 8/6/2006 17:30

diário de um (l)ôco.

uma tristeza pinta as paredes do meu quarto com cores difusas.
desenhando ondas loucas.
sideradas. cataclísmicas.
sensações de um remoto improvável me acometem.
muito além do entendimento - com cheiro de merda e agonia.

excremento
fertilizando pólens
a morte fertiliza
dá o mel
o vinho
a ira

tudo resto de nós
sobras
tristes restos de mim.

vejo rastros
rasgos rugas
peso de eras


inverno verão primavera
outono sem fim

as folhas caem

Cuiabá (MT) · 5/6/2006 18:18

cadernos da meia noite

página a página vou escrevendo histórias da vida.
páginas em branco também são encontradas nesse diário.

espelhos invertidos
de mim e de você

não sou o que escrevo
nem o que falo

algo talvez ali
entrelinhas fuçando vazios

enchendo de pausas
esse gosto por banalidades.

Cuiabá (MT) · 30/5/2006 19:20

bom dia, lucidez!

rompe a manhã.
um fio de luz
atravessa janelas

entre
abertas

renasce o dia
depósito dos restos da noite

rastros invisíveis
de fantasmas anônimos

filhos do acaso
com laços nos pescoços
lançados à própria sorte

à deriva
ruas de solidão
dando voltas

mas a manhã
revigora gestos
refaz caminhos: bom dia, lucidez. o louco rodopia nos calcanhares de um bailarino grotesco. sabiá laranja pousa sobre o mel da fruta. sabiá canta e se lambuza de mel.
a luz doura quintais. alvoroço.

-bom dia. diz o freguês na padaria da esquina.
o balcão repleto de sonhos repousa diante do olhar ávido do garoto sorridente.
-mãe, quero um sonho.

Cuiabá (MT) · 27/5/2006 16:46

Luxúria

quero luxo
esbórnia
luxúria

pra gastar
sola
de sapato alto

viver nas alturas
ébrio
andante

entre um solstício
e outro

aliás
hoje não quero
nada

quero o silêncio
esquecido num canto
de sala

o triste
emudecido
armário

escuro

Cuiabá (MT) · 26/5/2006 17:29

Enigmã

per
sigo a
luz

como a um imã
enigmã

a luz me a
trai como
imã

enigma

Cuiabá (MT) · 23/5/2006 17:56

Xeque-mate: MT Salão

Cuiabá, 17 de maio de 2006, Pantanal Shopping (sic! cadê os museus dessa cidade?), avenida do CPA, nove e cinquenta da madrugada (sic! de novo), secretário de Estado, secretário adjunto, conselheiros de cultura, assessores, um monte de artistas que ganhou prêmio, jornalistas, donos de galerias e moldurarias, ?gente normal? (?) não vi, enfim, nosso 23° Salão Jovem Arte Matogrossense acontece, abre as portas, dos fundos, reviravolta nos confins do Brasil: tiram o primeiro prêmio de Paulo Pires. Alerta: bastidores da indústria cultural, aconselha-se, em caso de estômagos fracos, parar de ler por aqui, algo muito estranho no ar, como sempre. Vamos aos fatos: Paulo Pires, desavisadamente(artista lê regulamento?) coloca uma obra, entre as demais, que já fora premiada num Salão anterior, ponto, toda curadoria do Salão passa ?batido?, ninguém percebe que a tal obra já fora premiada, os jurados, que são: sr Humberto Espíndola, sra Lisbeth Rebollo Gonçalves, sr Chico Cunha, dizem-se soberanos, julgam as obras dos escolhidos pela curadoria do salão, que são: sr Gervane de Paula, sr Serafim Bertolotto, sra Aline Figueiredo, a decisão é unânime : o conjunto da obra do escultor Paulo Pires é o melhor conjunto e vence o Salão, vence mas não leva. A curadoria descobre o próprio erro, sim, pois as obras de vários artistas foram ?aconselhadas? pela mesma curadoria que andou por todo MT oferecendo seus ?conselhos? aos artistas, pois o que interessa ao júri do Salão é o conjunto da obra e não uma obra em si, premia-se uma para ir pro acervo do Salão, mas, é o conjunto que prevalece, então numa reviravolta estonteante recuam Paulo Pires para quarto lugar (sic!) e vão, o segundo para primeiro, o terceiro para segundo, o quarto para terceiro (ufa!), e o primeiro colocado para quarto, entendeu aí galera? Se tava fora das ?normas? por que premiaram Paulo Pires? se permitiram que ele retirasse a obra ?desavisada? porque então não deixaram as coisas como estavam? Se dão o quarto prêmio a Paulo Pires, que é o melhor conjunto, não assumem o erro? Quem errou? Devemos entender, devemos questionar, devemos debater essas questões, devemos abrir as portas das casas públicas e entender os processos de tomadas de decisões que nos envolvem a todos que trabalhamos com arte. Maquinações políticas? Grupos se enfrentando? Casas caindo? Explosão de arbitrariedades? Mexem-se os pauzinhos, reuniões, gritos, urros, o lamento dos tempos imemoriais. Resumo da ópera bufa: o brilho das obras ofuscado por uma péssima iluminação (o shoping Pantanal não tem, ainda, condição nenhuma de comportar uma exposição de artes plásticas) e o poder nefasto, cada vez mais claro, de barganha dos envolvidos na (des)animação cultural de Mato Grosso. Conversei com algumas pessoas envolvidas no ?processo?e ninguém me indicou um caminho seguro, corda bamba, disseram que para não penalizar o vencedor decidiram ?dar? o quarto prêmio a ele, Paulo Pires, que de fato, ganhou o nosso Salão com o melhor conjunto de obras. Os artistas envolvidos? Incrível como ninguém se posiciona. Cala-se, aceita-se, entra-se no jogo do poder e todos com seus tapinhas nas costas vão para casa se deliciar com os caraminguás ?dados? pelo combalido Salão Jovem Arte Matogrossense. Termino citando de novo o grande poeta Antônio Carlos Lima: ?Já é tarde, já até arde em nós a esperança de que dias melhores virão?.

(André Balbino, artista plástico, músico, cidadão indignado.)

Cuiabá (MT) · 18/5/2006 16:21

Nem Baudelaire, nem Novalis

a adesão ao princípio de que nada se completa. adesão ao movimento e só.
nova lis. nova flor do pantanoso terreno do conhecimento. sínteses do inexorável. nem baudelaire.
nem novalis

a nova lis usa laços roxos.
é de gosto áspero
a cor do gosto di paixão i vísceras expostas
mais que dentes dionelianos
mais que piracicaba
mais que cuiabá. qualquer lugar é menos.
daqui o lugar quioblíquos navegamos
o roxo em preto e branco
rendas que caem sobre seus olhos.

o gosto do chão, da paixão
coração de cordas esgarçadas
no (des)ritmo das horas
quebrado entre padrões
(des)repetição
disrritmia
dois erres separam a questão
ortográficos
dois erros
rr
rrosna
rronca
rrompe.

Cuiabá (MT) · 12/5/2006 20:21

sábado, 28 de junho de 2008

girando em círculos

a cidade acontece aos poucos.
se acaba
nas vitrines do horror. asas de anjo de plástico enfeitam templos
de pedra.
longos e tristes trópicos -

desocupados se arrastam nas vias
marginais
buscam lugar para jogar seus corpos
aquecer
se decompondo - atrozes carniças
sombras soturnas
despossuídos peregrinos

as vias se multiplicam em faróis coloridos
ilusão para a rotina
rios de chamas

a cidade é viva e misteriosa
muito além dos seus muros -
vigilantes corpos
diante do vertiginoso movimento da vida
gira
gira
gira.

Cuiabá (MT) · 10/5/2006 19:47

tarde insp

tarde insp
incomplet
insip tard
tard emai
s desmaia
da tard o
mas nãof
aiaaiaiaia
inspirado
de maio
pálido mê
sacoasco
casco di
marimbon
do casa d
fogo fire
para os d
esavisados
depois nã
diga que n
avisei

Cuiabá (MT) · 3/5/2006 16:19

Bocas Acesas - collage (erroteiros)

luzes que falam
bocas acesas
no retrovisor - (anna marimon)

pingo tinto divinho
no marolhar vermelho
espelho dibaco dionísios - (eduardo ferreira)

carros passam lá fora
e o vento dessa manhã fria
sacode de leve as folhas da mangueira - (antonio sodré)

Cuiabá (MT) · 1/5/2006 17:50

martírios

mar de martí
rios minha nau
singra escuras
águas traves
sia vertigi
nosa volá
til mare
sia não há
mar aqui
memória de
mar apena
s olho d'água
voa voa
grande
ave

Cuiabá (MT) · 26/4/2006 13:01

giramundo

quantos sóis
quantas luas

em seus seios?

quantos golpes
desviam olhos

quantos girassóis?

a borboleta voa

quantas asas?
tanto céu

rios bocas mares remo mofo sabores

quantos?

Cuiabá (MT) · 24/4/2006 09:24