domingo, 29 de junho de 2008

quarto blú

uma linha tênue começa a delinear (per)fios de uma história da vida. uma vida qualquer. dessas banais, comum demais. um cara solitário sentado numa mesa de um quintal de uma casa típica de classe média, tomando cachaça e olhando o tempo passar. como se tivesse de fora. só dentro de si mesmo, girando em torno do próprio umbigo, vazio como um saco de plástico vagabundo de supermercado.

Z surgiu a minha frente de repente, como um som apenas. surgiu como um zunido persistente, zunindo confissões de séculos, ecos perdidos buscando sentidos em sua travessia de eras ? ligando los olvidados.

a garrafa de cachaça repousa sobre a mesa atraindo môscas que vivem de dar voltas e voltas ao seu redor. a garrafa que nada esboça, quieta em seu silêncio de fogo. como pedra esquecida. só o tempo roendo o amargo passageiro.

estou fodido! fico pensando. estou ficando mole, cada vez mais afundando o pau no travesseiro. a cachaça já não desce doce. desce rasgando meus aparelhos que digerem, ainda bem, continuam digerindo bem.

Z tá me pentelhando com sua bosta de história de vida. vivo caçoando de todo mundo e agora estou aqui de baixo astral, a cabeça baixa com os olhos grudados no chão áspero e sujo. a cachaça começa a me deixar zoado. esquenta o peito e me faz notar o quanto estou enjoado de tudo, de todos, com náuseas constantes. tô de saco cheio de trabalhar e continuar duro, sem grana, vivendo de truques, a gente vive de golpes, pequenos golpes, ela diz rindo na maior cara de pau. dá vontade de vomitar só de pensar em fazer filmes, aquelas produções chatas, um monte de gente chata, metida a besta, ah maldito poder que sentem os que lidam com imagens, que mexem com egos inflados e imbecilizados pela própria (auto-)imagem. escrever me alivia um pouco, como uma boa cagada, uma mijada num poste de rua qualquer.

Z me lembra um esgrimista. touché!
Z me lembra um labirinto. touché!
Z de zilda zorro zorra zona. Z da inevitável zebra. bah, a vida que dá zebra e de repente você percebe que zebrou tudo. a maldita condição de fracassar. fracassar. fracassar. estar sempre recomeçando, estar sempre esculhambando tudo, com a boca cheia de môscas rodando pra lá e pra cá num vaivém zonzeante, môscas zonzas atraídas pelo bafo de cachaça. sem um puto nos bolsos e com as apostas prontas para o próximo lance.

há poucos minutos atrás uma ?garota de programa? me abordou no posto de gasolina perto de casa, fui comprar cigarros e enquanto aguardava o atendente, cabisbaixo e ausente, uma voz me tirou daquele estado letárgico. - oi. levanto os olhos e vejo seu sorriso irradiante, de larga boca, de belos dentes, taí um belo espécime, pensei, um arrepio passou pelas minhas bolas escrotais e invadiu todo meu corpo. saí sorrindo meio sem jeito, um babacão, elas deviam estar pensando, eram várias garotas lindas em um carro branco. fiquei todo prosa por que ela veio direto pra cima de mim, ignorando todos os outros rapazes que estavam ali. elas saíram zunindo no carro branco, cintilante, desfilando pela avenida fernando corrêia.

meu saco tá murcho agora, continuo aqui sentado nessa cadeira, desfiando linhas imaginárias, definhando, na cadência do tempo e seus vazios. a tv ligada joga na cara um monte de propaganda estúpida que vai deixando todo mundo estúpido, imbecilizado diante da telinha, todos presos por fios invisíveis, atados ao desejo de tudo consumir, de se auto-consumir em impotências provocadas, como idiotas completos, cegados pelo brilho intenso e sedutor da maldita caixinha azulada. estou out.

nenhum movimento na cozinha da casa, nenhuma meleca sendo preparada, nenhum cheiro. não sou herói de nada. sou página virada de uma história que nunca completou capítulos, que nunca contemplou minha ninharia de vida. porra Z me deixa em paz com seus delírios de analista, pára de ficar me colocando nessa berlinda, nesse centro de nada, fustigando minha falsa paz. fica aí com esse par de olhos me olhando, tentando decifrar meus enigmas. em cada olho vejo uma sentença, eles parecem independentes um do outro, não se completam, ao contrário, se distanciam, como um imperativo dessa vida que vai criando vazios entre as pessoas.

a barriga dela está cheia de gases. ela pede socorro. tento lhe ensinar minha técnica para eliminar gases. peidar discretamente, sem muito alarde. fico assim quando estou só em meu quarto com a barriga inchada e dolorida. contorcionista de ocasião, posição meio iógue, deitado de costas e pernas pra cima passando sobre o corpo, alongando e relaxando, respirando fundo e soltando lentamente. funciona bem. sou um monte de merda nessa hora. a solidão atroz me corroendo nesse quarto de paredes azuis.

Cuiabá (MT) · 14/7/2006 18:10

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