terça-feira, 1 de julho de 2008

chuva de fantasmas

I

Escrevo para você. Personagem sem nome.
Sombra que caminha colada a meus instintos básicos. Luz
que incendeia os sentidos e dá sentido aos ritos de amor e poesia.
Seu silêncio invisível penetra pelos poros--------------------------------porões
pele e mente e busca
saídas pelos buracos do meu corpo ? notadamente pela boca ? língua que estala no ar procurando uma palavra que seja o espelho exato para a compreensão refletida nos seus olhos. Palavra que reinvente o verbo ? silêncio; a tarde morna roçando a pele e a mente torpor, a demente sensação de que tudo
o mais
não mais importa
o mundo acabou ali naquele instante em que o grilo prenunciava o começo de tudo ? névoas de poeira vermelha ? pele pálida ? sorriso vampiresco ? dentes sujos de nicotina, cheiro de cebola com bifes crus, dentes sujos de carne, o palito quebrado sobre a mesa, a pizza esfriando, o sorvete de chocolate derretendo aos olhos mudos ? a boca sorri demência ? sorridente ? esperando a mosca pousar no prato do vizinho.

Procuro a palavra maldita busco rebusco para incomodar seus ouvidos puros e imbecis ? sua voz trêmula de medo ? sua incapacidade ? você agora é outro personagem ? você não é você agora ? você é duplamente fadado a atuar por todos os papéis ? o script agora é outro ? busco a palavra soturna, aquela que vai revirar seus intestinos frouxos ? seu medo de peidar ? suas medidas controladas ? sua vontade de quebrar as réguas ? suas receitas médicas ? suas doenças crônicas e indefinidamente crônicas ? sua falta de apetite, sua falta de força para soltar os neurônios nos campos livres dos instintos básicos-
Busco a palavra e eis que me deparo com o velho fantasma de Charles Baudelaire balbuciando versos repetidos ao longo da eternidade fria e repleta de enigmas, o espírito vagando a esmo: são suas as palavras que encontro ao vento na voz do fantasma bêbado -?...meu gato procurando cama no acolchoado/ agita sem cessar seu corpo de leproso; a alma de um velho poeta erra pelo telhado com sua triste voz de fantasma chuvoso...?


II


Te afasta de mim velho fantasma desgarrado! O cemitério está longe dessa morada. Quero sossego e não és bem vindo na madrugada que vem chegando.
Seus olhos sem brilho não apetecem os meus claros enigmas. Sua pele de meia-luz fantasmagórica não trás calor e sinto frio diante de sua evidência.
Quero o calor das virgens, a maciez das bocas divinas - suplicantes de amor.
Quero a pele sedosa da ninfa de pêssego que roça meus pelos.
Céus, quero vida agora! Quero respirar a tranquilidade que a hora sugere.
Mas a fera sacode meu peito, quer arrancar meu coração com suas garras de metal!
Taquicardias intermitentes assaltam minha concentrada postura - debruçado sobre as linhas brancas do vazio do papel.
As palavras dançam no caos procurando sentido para a tarefa do diarista enfastiado.
Tolas e trôpegas são as notícias que vêm do além ? da boca dos mortos que se ausentaram dos cemitérios.
Murmúrios ? cantando a canção dos ventos.
Além muros ? cantando a canção dos ausentes.

Cuiabá (MT) · 7/10/2006 17:02

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