terça-feira, 1 de julho de 2008

Dennis-Boy

Sua mão direita trêmula gira febrilmente a maçaneta desgastada e cheia de pontos de ferrugem espalhados pela superfície metálica. Apartamento 210. Hotel Centro-América. Dennis Boy lento entra no quarto mal iluminado e senta-se pesadamente na cama. Seus olhos não param em lugar algum, buscam pontos de apoio. O vazio parece lhe sorrir com a boca escancarada de morte.

Tarde abafada, muito quente mesmo, pensa ele, ao arrancar a camisa bruscamente. Deita-se, aliás, deixa o corpo cair com os olhos pregados no teto branco e cheio de manchas esverdeadas de infiltrações. Seus braços marcados de ponta a ponta pelos muitos picos parecem pulsar, as veias se sacodem com o sangue furioso e febril, lavas raivosas, tudo pulsa. A morte rondando como uma bomba relógio irrequieta.

Sede absurda queima seu interior, corre até o chuveiro e de boca aberta recebe com avidez água morna e enjoativa. Vomita então. A memória esgarçada puxa fios desconectados, tenta recompor cacos, os rostos mais familiares desfilam quadro a quadro aos olhos imaginativos. Pensa nos filhos, estarão bem? Ficarão bem?

Ele revira a sacola que contém apenas uma calça surrada, uma camiseta e muitas seringas. Não acha o que procura, onde estará o pó? Onde guardei? Se pergunta desesperado. As mãos cada vez mais trêmulas vasculham sem parar, uma sensação de pânico o invade. ?Onde deixei a porra da cocaína? Gastei toda a grana que restou do meu salário nesses três dias que ando sozinho?. Seu pensamento se embaralha, uma febre insuportável sobe pelo corpo agitado. ? Sem o pó não vou suportar?. Sua última esperança é a calça velha de guerra, apalpa-a, alívio, o pequeno volume está ali no bolso da frente, 20 gramas da mais pura que conseguiu.

Pegando a seringa com rapidez incrível corre até o banheiro, abre a torneira, enche o pequeno recipiente com uma dose cavalar. O ritual o tranquiliza, as mãos ficam firmes. Tateia o braço esquerdo, as veias estão abertas para mais uma dose, passaporte para o único prazer que resta. Injeta com maestria, deixa o sangue voltar, diverte-se com o vai-vem dos líquidos se encontrando, pororoca sobe pra cabeça em explosão de infinitos pontos de luz, o coração quer saltar do peito arfante. Reconforta-se por instantes expulsando os seres malignos que rondam esse momento de vazio e desespero. A droga preenche os espaços violados pela opressão de todos os seus fantasmas.

Um turbilhão agita seus pensamentos quebrados. Estilhaços refletem pequenas luzes. Razões pulam incertas sobre delírios artificiais não se encaixando nesse jogo de morte. O efeito expira rapidamente, é consumido com avidez e ansiedade crescente. A obsessão toma conta de sua cabeça, preciso de mais uma dose! Quero outra dose! A seringa se sobrepõe soberana sob os aplausos dos fantasmas mais insistentes. Injeta mais uma. Outra. Mais. Mais...

A cadeia se desfaz em estertores. Gotas de sangue rolam de seu braço, uma lâmina fina vermelho ralo atravessa a superfície cheia de crateras mortíferas. As pálpebras cerram. Boa noite. Boa sorte, Dennis-Boy.

Cuiabá (MT) · 19/10/2006 13:21

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